terça-feira, 18 de março de 2008

Alberto Caeiro

Talvez quem vê bem não sirva para sentir
E não agrade por estar muito antes das maneiras.
É preciso ter modos pra todas as cousas,
E cada cousa tem seu modo, e o amor também.
Quem tem o modo de ver os campos pelas ervas
Não deve ter a cegueira que faz fazer sentir.
Amei, e não fui amado, o que só vi no fim,
Porque não se é amado como se nasce mas como acontece.
Ela continua tão bonita de cabelo e boca como dantes,
E eu continuo como era antes, sozinho no campo.
Como se tivesse estado de cabeça baixa,
Penso isto, e fico de cabeça alta
E o dourado do sol seca as lágrimas pequenas que não posso deixar de ter.

Como o campo é grande e o amor pequeno!
Olho, e esqueço, como o mundo enterra e as árvores se despem.

Eu não sei falar porque estou a sentir.
...

(Fernando Pessoa)